Os bailarinos, que não perceberam
nada, olharam uns para os outros e encolheram os ombros, tomaram os seus
lugares no palco e tranquilamente prosseguiram os ensaios, enquanto o diretor
saía sem mais explicações.
Na sua mente desfilavam aquelas
imagens da menina. Ele acreditava piamente que com alguns ensaios, ela se
revelaria surpreendente. O maior obstáculo que teria de enfrentar era a mãe,
que continuava irredutível. Nada que o diretor pudesse argumentar a fazia mudar
de ideias a respeito do ballet.
- Mas minha senhora… reconsidere,
por favor! A sua filha tem um dom; ela dança maravilhosamente e sem qualquer
ensaio; com formação, poder-se-á tornar numa das melhores bailarinas deste país!
Acredite!!
- Não! E não! Está dito! Na minha
opinião dançar não é profissão de futuro e para a minha filha já tenho outros
planos – respondeu-lhe a mãe preocupada.
A menina que ouvira tudo atrás da
porta, não se conteve e com convicção e os olhos mais brilhantes que duas
esmeraldas, apelou:
- Mãe deixe-me dançar, por favor!
É o meu sonho!
Mas a mãe tratou de colocar um
ponto final na conversa e pediu educadamente ao diretor que se retirasse e que lhe
fizesse o especial favor de não voltar a encher a cabecinha da sua filha com
ilusões.
Enquanto a menina, aos prantos se
refugiava no quarto, sentindo uma mágoa enorme e o coração destroçado, na
cozinha, a sós com os seus afazeres, a sua mãe com o coração apertado por vê-la
chorar, ainda pensou voltar atrás na decisão tomada, mas o medo de que a sua
menina se desiludisse caso as coisas corressem mal, e que, por conta disso, sofresse
ainda mais, convenceu-a que era o melhor a fazer – com o tempo ela esquecerá –
pensou.
Mas para a menina, o sonho de ser uma bailarina
era mais forte que tudo. Não conseguia esquecer nem o palco, nem coreografias, as
pontas ou os fatos, por isso, decidiu ter uma conversa franca e decisiva com a
mãe. Iria lutar pelo seu sonho com todas as forças. Determinada, expôs os seus
sentimentos e prometeu-lhe que se não corresse como desejava, desistiria e não
falaria mais nesse assunto.
- Se estás determinada, vai! Mas
eu nem quero ouvir mais nada sobre esse espetáculo! E se algo correr mal, não
digas que não te avisei…! – Advertiu-a a mãe, rendida a tanta insistência.
A menina voltou ao teatro, mas desta
vez, não se escondeu; foi ensaiar com os outros bailarinos para o espetáculo
que se avizinhava. Ela alimentava a esperança de que, quando a sua mãe a visse
dançar, mudaria de opinião. Por isso mesmo arriscou, e no dia do espetáculo
saiu do quarto ansiosamente, com as pontas numa mão e o fato na outra.
Indubitavelmente a sua expetativa
foi cumprida, porque o sucesso do bailado foi tremendo! A mãe que havia sido
avisada por uma vizinha que o nome da sua filha se encontrava estampado no
grande cartaz à porta do teatro, não resistiu e foi ver o espetáculo.
Logo que viu a sua menina em cima
daquele imenso palco, não mais conseguiu conter as lágrimas com tamanha emoção
e orgulho. Rendeu-se ao deslumbramento. A menina dançava brilhantemente,
exibindo a sua graciosidade e leveza de movimentos, como se estivesse a cumprir
o seu destino. Mãe e filha olharam-se, e, por instantes, o tempo parou para as
duas. As palavras ficaram aprisionadas e impediram-na de dizer o que o seu
coração sentia, contudo, como se lhe lesse os pensamentos, a menina abraçou-a e
as duas ficaram ali no meio do teatro como que paradas no tempo.
A performance dos bailarinos e
muito em especial da nova bailarina, contribuiu para o descomunal sucesso do
espetáculo, de tal forma que, não muito tempo depois, a companhia de dança,
agora com mais uma bailarina, partiu em digressão pelo país levando a arte de
dançar a todos os lugares, enchendo os corações de cor e fantasia.
E assim se passaram meses, anos,
muitos anos e o nome daquela menina viajou por muitas cidades em todo o mundo, estampado
nos cartazes que anunciavam cada espetáculo da companhia, revelando-se como uma
das maiores bailarinas de todos os tempos. A sua mãe passou a acompanhá-la e a
ser a sua maior aliada e admiradora.
Recentemente, abriu no centro da
cidade uma escola de dança. Crianças de todas as idades apreendem a dançar, a
descobrir as suas capacidades e a sonhar que um dia serão grandes bailarinas e
bailarinos, como as que estão expostas nos cartazes afixados na escola de dança.
A proprietária e professora, costuma contar aos alunos mais novos que quando
era da idade deles, dançava no seu quarto frente a um velho espelho, onde
colocava uma saia e imitava os passos que vira dançar no teatro da cidade, escondidinha
atrás da cortina.
A pequena grande bailarina que um
dia se escondeu para ver dançar, e que, apesar de todas as contrariedades, lutou
incessantemente em busca do seu sonho, anos mais tarde, retornou à sua cidade
natal para distribuir sonhos.
Fim