terça-feira, 16 de dezembro de 2014

3ª parte "A pequena grande bailarina"



Os bailarinos, que não perceberam nada, olharam uns para os outros e encolheram os ombros, tomaram os seus lugares no palco e tranquilamente prosseguiram os ensaios, enquanto o diretor saía sem mais explicações.
Na sua mente desfilavam aquelas imagens da menina. Ele acreditava piamente que com alguns ensaios, ela se revelaria surpreendente. O maior obstáculo que teria de enfrentar era a mãe, que continuava irredutível. Nada que o diretor pudesse argumentar a fazia mudar de ideias a respeito do ballet.
- Mas minha senhora… reconsidere, por favor! A sua filha tem um dom; ela dança maravilhosamente e sem qualquer ensaio; com formação, poder-se-á tornar numa das melhores bailarinas deste país! Acredite!!
- Não! E não! Está dito! Na minha opinião dançar não é profissão de futuro e para a minha filha já tenho outros planos – respondeu-lhe a mãe preocupada.
A menina que ouvira tudo atrás da porta, não se conteve e com convicção e os olhos mais brilhantes que duas esmeraldas, apelou:
- Mãe deixe-me dançar, por favor! É o meu sonho!
Mas a mãe tratou de colocar um ponto final na conversa e pediu educadamente ao diretor que se retirasse e que lhe fizesse o especial favor de não voltar a encher a cabecinha da sua filha com ilusões.
Enquanto a menina, aos prantos se refugiava no quarto, sentindo uma mágoa enorme e o coração destroçado, na cozinha, a sós com os seus afazeres, a sua mãe com o coração apertado por vê-la chorar, ainda pensou voltar atrás na decisão tomada, mas o medo de que a sua menina se desiludisse caso as coisas corressem mal, e que, por conta disso, sofresse ainda mais, convenceu-a que era o melhor a fazer – com o tempo ela esquecerá – pensou.
 Mas para a menina, o sonho de ser uma bailarina era mais forte que tudo. Não conseguia esquecer nem o palco, nem coreografias, as pontas ou os fatos, por isso, decidiu ter uma conversa franca e decisiva com a mãe. Iria lutar pelo seu sonho com todas as forças. Determinada, expôs os seus sentimentos e prometeu-lhe que se não corresse como desejava, desistiria e não falaria mais nesse assunto.
- Se estás determinada, vai! Mas eu nem quero ouvir mais nada sobre esse espetáculo! E se algo correr mal, não digas que não te avisei…! – Advertiu-a a mãe, rendida a tanta insistência.
A menina voltou ao teatro, mas desta vez, não se escondeu; foi ensaiar com os outros bailarinos para o espetáculo que se avizinhava. Ela alimentava a esperança de que, quando a sua mãe a visse dançar, mudaria de opinião. Por isso mesmo arriscou, e no dia do espetáculo saiu do quarto ansiosamente, com as pontas numa mão e o fato na outra.
Indubitavelmente a sua expetativa foi cumprida, porque o sucesso do bailado foi tremendo! A mãe que havia sido avisada por uma vizinha que o nome da sua filha se encontrava estampado no grande cartaz à porta do teatro, não resistiu e foi ver o espetáculo.
Logo que viu a sua menina em cima daquele imenso palco, não mais conseguiu conter as lágrimas com tamanha emoção e orgulho. Rendeu-se ao deslumbramento. A menina dançava brilhantemente, exibindo a sua graciosidade e leveza de movimentos, como se estivesse a cumprir o seu destino. Mãe e filha olharam-se, e, por instantes, o tempo parou para as duas. As palavras ficaram aprisionadas e impediram-na de dizer o que o seu coração sentia, contudo, como se lhe lesse os pensamentos, a menina abraçou-a e as duas ficaram ali no meio do teatro como que paradas no tempo.
A performance dos bailarinos e muito em especial da nova bailarina, contribuiu para o descomunal sucesso do espetáculo, de tal forma que, não muito tempo depois, a companhia de dança, agora com mais uma bailarina, partiu em digressão pelo país levando a arte de dançar a todos os lugares, enchendo os corações de cor e fantasia.
E assim se passaram meses, anos, muitos anos e o nome daquela menina viajou por muitas cidades em todo o mundo, estampado nos cartazes que anunciavam cada espetáculo da companhia, revelando-se como uma das maiores bailarinas de todos os tempos. A sua mãe passou a acompanhá-la e a ser a sua maior aliada e admiradora.
Recentemente, abriu no centro da cidade uma escola de dança. Crianças de todas as idades apreendem a dançar, a descobrir as suas capacidades e a sonhar que um dia serão grandes bailarinas e bailarinos, como as que estão expostas nos cartazes afixados na escola de dança. A proprietária e professora, costuma contar aos alunos mais novos que quando era da idade deles, dançava no seu quarto frente a um velho espelho, onde colocava uma saia e imitava os passos que vira dançar no teatro da cidade, escondidinha atrás da cortina.
A pequena grande bailarina que um dia se escondeu para ver dançar, e que, apesar de todas as contrariedades, lutou incessantemente em busca do seu sonho, anos mais tarde, retornou à sua cidade natal para distribuir sonhos.

Fim